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34 vacinas contra covid-19 em testes. Estamos próximos do fim da pandemia?

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10,7 anos. Esse é o tempo médio para uma vacina ser desenvolvida, testada, produzida e distribuída para uma determinada população. A mais rápida a passar por todas essas fases foi a do Ebola, que demorou cinco anos para ficar pronta ser aprovada pela agência análoga à Anvisa nos Estados Unidos e pela Comissão Europeia, em 2019. A Ervebo foi criada pela farmacêutica MSD (conhecida internacionalmente como Merck), empresa que hoje também prepara uma vacina contra o novo coronavírus. O projeto da MSD é um entre mais de uma centena que estão em desenvolvimento no mundo.

Hoje, o desafio da ciência não é pequeno. O mundo espera uma vacina criada às pressas que não só crie uma resposta imunológica protetora no organismo, como também seja segura para aplicar a bilhões de pessoas.

Com tantas notícias e divulgações de testes relacionados às vacinas contra o novo coronavírus, fica o questionamento: estamos próximos do fim da pandemia? A resposta pode ser dolorosa, mas provavelmente não.

Para uma vacina ser aprovada, ela precisa passar por diversas fases de testes clínicos prévios e em humanos. Primeiro, ela passa por fases pré-clínicos, que incluem testes em animais como ratos ou macacos para identificar se a proteção produz resposta imunológica. A fase 1 é a inicial, quando os laboratórios tentam comprovar a segurança de seus medicamentos em seres humanos; a segunda é a fase que tenta estabelecer que a vacina ou o remédio produz imunidade contra um vírus. Já a fase 3 é a última do estudo e tenta demonstrar a eficácia da imunização.

Uma vacina é finalmente disponibilizada para a população quando essa fase é finalizada e a proteção recebe um registro sanitário. Por fim, na fase 4, a vacina ou o remédio é disponibilizado para a população. Para chegar mais rápido ao destino, muitas opções contra a covid-19 nem passaram pela fase pré-clínica e outras estão fazendo fases combinadas, como a 1 e a 2 ao mesmo tempo. Mesmo após passar por algumas das fases (como a 1 e a 2), uma vacina pode não ter sua eficácia comprovada, o que nos faria voltar à estaca zero.

É claro que os resultados que tivemos até o momento foram animadores. Somente na semana passada três vacinas em potencial demonstraram a capacidade de induzir uma resposta imunológica em seres humanos, sendo elas a britânica da Universidade de Oxford em parceria com a AstraZeneca, a da farmacêutica americana Pfizer em parceria com a alemã BioNTech e a chinesa do Instituto de Biotecnologia de Pequim com a CanSino Biologics. Os resultados divulgados foram das fases 1 e 2 para Oxford e 2 para a CanSino. A Pfizer iniciou a fase 3 de testes há cerca de um mês.

No final de julho, a farmacêutica americana Moderna anunciou que iniciará a última fase de testes para a sua vacina com 30 mil voluntários nos Estados Unidos. Os testes serão realizados até o dia 27 de outubro.

A Rússia, por sua vez, anunciou que já concluiu todos os testes clínicos de uma vacina desenvolvida pelo Instituto Gamaleya e que a vacinação em massa ocorrerá já em outubro deste ano. Se a vacina der certo, a Rússia ganhará a nova guerra fria em busca de uma proteção contra a covid-19. Além de aliviar a crise de saúde mundial, que já matou mais de 680 mil pessoas, seria um golpe nos Estados Unidos e no Reino Unido, que recentemente acusaram o país de hackear seus sistemas para derrubar pesquisas sobre vacinas contra a covid-19. Nenhum estudo relacionado à vacina russa foi divulgado, o que acende dúvidas na comunidade científica em relação à efetividade da proteção. O país tem recebido acusações de que as notícias sobre uma vacina são, na verdade, parte de uma propaganda política.

Das 176 vacinas que estão em desenvolvimento e das 34 que estão na fase de testes clínicos, apenas oito estão na fase três de testes, segundo um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Uma vacina ideal contra o vírus deve ser efetiva após uma ou duas doses, trabalhar em grupos de risco, como adultos e pessoas com condições pré-existentes, garantir uma proteção de, no mínimo, seis meses e reduzir a infecção pelo SARS-CoV-2. Até o momento, é claro que nenhuma das opções em potencial realizou esse feito.

Para o médico Jorge Elias Kalil Filho, diretor do Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração, em São Paulo, o fato de determinadas opções estarem na frente não significa que, de fato, elas conseguirão bons resultados no final. “Não significa que essas vacinas que estão na frente vão ganhar a partida, porque pode ser que elas não funcionem”, afirma, em entrevista à EXAME por telefone.

No mundo todo, 26.065.382 pessoas foram infectadas pela doença e 26.065.382 morreram. Os Estados Unidos são o epicentro da doença, com mais de 6 milhões de doentes e 185.752 mortes. O Brasil, segundo país mais afetado pela covid-19, tem quase 4 milhões casos confirmados e 123.780 óbitos, segundo a Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos.

Os tipos de vacina disponíveis

Alguns tipos de vacinas têm sido testados para a luta contra o vírus. Uma delas é a de vírus inativado, que consiste em uma fabricação menos forte em termos de resposta imunológica, uma vez que nosso sistema imune responde melhor ao vírus ativo. Por isso, vacinas do tipo tem um tempo de duração um pouco menor do que o restante e, geralmente, uma pessoa que recebe essa proteção precisa de outras doses para se tornar realmente imune às doenças. É o caso da Vacina Tríplice (DPT), contra difteria, coqueluche e tétano. A vacina da Sinovac, por exemplo, segue esse padrão.

Outro tipo de vacina é a de Oxford, feita com base em adenovírus de chimpanzés (grupo de vírus que causam problemas respiratórios), e contendo espículas do novo coronavírus.

As outras vacinas em fases clínicas já avançadas também são baseadas em espículas, mas apresentadas em forma de RNA mensageiro, como as da Pfizer e da Moderna.

Como estão as 8 potenciais?

Sinovac Biotech: a vacina chinesa que começou os testes em fase 3 no Brasil na última segunda-feira, 20, pretende fabricar até 100 milhões de doses anuais. Por aqui, 9 mil profissionais da área da saúde receberão a vacina.

Sinopharm (Wuhan e Pequim): a vacina com base em vírus inativado, que se mostrou capaz de produzir resposta imune ao vírus, começou as fases 3 de testes neste mês nos Emirados Árabes Unidos. Cerca de 15 mil voluntários participaram do período de testes e a empresa chinesa acredita que a opção estará disponível para o público já no final do ano.

Oxford e AstraZeneca: os resultados preliminares das fases 1 e 2 da vacina com mais de mil pessoas mostraram que ela foi capaz de induzir uma resposta imune à doença. As fases dois (que ainda está ocorrendo no Reino Unido) e três de testes (acontecendo no Reino Unido, Brasil e África do Sul) devem garantir a eficácia completa dela. A opção é tida como a mais promissora pela OMS.

Moderna: a empresa americana iniciou última fase de testes de sua vacina baseada no RNA mensageiro no dia 27 de julho. O teste vai incluir 30 mil pessoas nos Estados Unidos e o governo investiu pesado: cerca de 1 bilhão de dólares para apoiar a pesquisa. A expectativa da empresa é produzir 500 milhões de doses por ano.

Pfizer e BioNTech: a vacina agora também está na fase três de testes e também usa o RNA mensageiro, que tem como objetivo produzir as proteínas antivirais no corpo do indivíduo. A expectativa é testar a vacina em aproximadamente 30.000 voluntários com idades entre 18 e 85 anos no mundo. Desse total, 1.000 serão testados no Brasil. Se tudo der certo, a expectativa é que a eficácia da vacina seja comprovada até o outubro. A empresa espera produzir até 100 milhões de doses até o fim do ano. Outras 1,3 bilhão de doses podem ser fabricadas no ano que vem.

Instituto Gamaleya: em 11 de agosto a Rússia registrou a primeira vacina do mundo contra a covid-19. A vacina russa é baseada no adenovírus humano fundido com a espícula de proteína em formato de coroa que dá nome ao coronavírus e é por meio dessa espícula de proteína que o vírus se prende às células humanas e injeta seu material genético para se replicar até causar a apoptose, a morte celular, e, então, partir para a próxima vítima. Na última segunda-feira, 31, o país anunciou que o primeiro lote de sua vacina, a “Sputnik V”, estará disponível já neste mês.

CanSino: a vacina chinesa usa um vírus inofensivo do resfriado conhecido como adenovírus de tipo 5 (Ad5) para transportar material genético do coronavírus para o corpo e, segundo a companhia, conseguiu induzir uma resposta imune nos indivíduos que foram testados. No começo de agosto, a China concedeu a primeira patente da vacina.

Países ricos e não ricos

Desde reservar 90% do estoque do remdesivir, primeiro tratamento promissor na luta contra o novo coronavírus, da farmacêutica americana Gilead Sciences, o que pode fazer com que outros países não recebam doses da medicação até setembro, incluindo o Brasil, até um acordo com a Pfizer para comprar todas as vacinas produzidas pela empresa, os Estados Unidos têm corrido para chegar primeiro na linha de chegada das vacinas e remédios experimentais contra a covid-19.

Os EUA também aumentaram o investimento na proteção da Moderna para 955 milhões de dólares e, em um acordo de 1,2 bilhão de dólares, asseguraram 300 milhões de doses da vacina de Oxford.

Em maio, o Reino Unido havia investido 79 milhões de dólares no programa de Oxford em troca do recebimento de 30 milhões de doses da vacina produzida pela universidade. O total dos investimentos dos britânicos para encontrar uma vacina, no entanto, chega a 100 milhões de libras (mais de 667 milhões de reais na cotação atual).

A Alemanha, a Itália, a França e os Países Baixos também não ficaram para trás e assinaram um acordo com a mesma farmacêutica para receber 400 milhões de doses até o final de 2020. E em 17 de junho, a União Europeia criou uma Estratégia de Vacina Europeia para garantir o acesso à proteção para todos os integrantes do bloco econômico e 2,3 bilhões de dólares podem ter sido investidos nisso.

Para Kalil, que está tentando desenvolver uma vacina aqui no Brasil, se uma proteção for desenvolvida antes em países mais desenvolvidos, a tendência é que isso demore a chegar em países com menos poder econômico. “Digamos que eu seja a rainha da Inglaterra e a vacina for descoberta em Oxford. Quem é que eu vou imunizar? Primeiro a Inglaterra, depois o Reino Unido, depois eu vou ver meus parceiros, como os Estados Unidos, o Canadá, e depois vamos ver quem vai pagar mais, talvez a China. Por que seria o Brasil?”, pontua ele.

O Brasil foi o escolhido para as testagens da chinesa Coronavac, do laboratório Sinovac Biotech, em parceria com o Instituto Butantan, e também para testes da vacina de Oxford. Para o doutor em microbiologia e divulgador científico Atila Iamarino, essa escolha se deu pelo alto número de contágio no país. “O Brasil é palco de testes e vacinas porque aqui os fabricantes têm chance de em pouco tempo ver se as pessoas que se expuseram ao vírus estão protegidas ou não porque a epidemia segue crescendo.

Com a Europa toda declinando em casos, com a Ásia em partes também diminuindo os números de infecções, sobra o Brasil”, disse ele em uma transmissão ao vivo em seu canal do YouTube. Outro fator que leva as empresas a testar por aqui é o baixo custo para fazê-lo. “Vale pensar que são vacinas que já chegam aqui tendo passado pela fase de testes de segurança, não é como se estivessem fazendo os brasileiros de cobaia só”, garantiu.

A preocupação não é unicamente de Kalil. Enquanto grandes potências econômicas têm o dinheiro necessário para investir em vacinas próprias, outras sem o mesmo poder capital, como é o caso do Senegal, dependem exclusivamente das ações de empresas de fora. Por lá, a biotech Mologic desenvolveu testes caseiros e rápidos que podem custar até 1 dólar. Mas quanto tempo uma vacina pode demorar para chegar até esses locais?

“Não podemos depender somente da boa vontade para garantir acesso à ela. Demorou dez anos para as drogas contra a AIDS chegar a países mais pobres”, afirmou Arzoo Ahmed, do Conselho Britânico Nuffield de Bioética à agência de notícias AP.

O programa das Nações Unidas Unaids afirmou que as nações africanas já ficam no fim da linha para o recebimento de medicamentos em pandemias e que isso “será pior caso uma vacina seja encontrada.”

Pensando nisso, a AstraZeneca assinou um acordo de 750 milhões de dólares com a A Coalizão Para Inovações em Preparação para Epidemias (CEPI, na sigla em inglês) e com a Gavi Alliance para assegurar 300 milhões de doses para países pobres. E também fez um acordo com o Instituto Serum da Índia, que receberá 400 milhões de doses reservadas para países de baixa e média renda. A farmacêutica garantiu que não obterá lucros em nações mais necessitadas. O mesmo foi prometido pela americana Johnson & Johnson.

A União Europeia assegurou que tentará fazer com que os países mais pobres não fiquem para trás na fila das vacinas. “Ao falarmos sobre uma pandemia global, não tem espaço para ‘eu primeiro’”, afirmou a presidente para a Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, na última quarta-feira.

A China prometeu doar qualquer uma que tiver sucesso primeiramente para países no continente africano.

As iniciativas das empresas e dos países são promissoras, mas, enquanto uma vacina não fica disponível, é difícil mensurar o quão rápido ela chegará em locais mais necessitados e com sistemas de saúde mais frágeis.

Como fica o Brasil?

A obrigatoriedade de uma vacina que está sendo testada no Brasil, como é o caso da versão de Oxford e da Sinovac, depende do acordo feito entre as partes. “Como foi algo que foi pago, como a terceira fase do Instituto Butantan, acredito que a distribuição deva fazer parte do acordo”, explica Dr. Celso Granato, infectologista e diretor clínico do Grupo Fleury. “Com a relação da vacina de Oxford, houve doações”, diz.

Segundo o governador de São Paulo, João Doria (PSDB-SP), a vacina contra a covid-19 produzida pelo laboratório chinês Sinovac pode estar disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) em dezembro de 2020.

Sobre as reservas feitas por outros países, o infectologista acredita que, mesmo assim, as vacinas e remédios chegarão em outros lugares. “Algumas empresas, como a Moderna, estão planejando fazer 500 milhões de doses. Se você imaginar 100 milhões de doses da Pfizer, mais as da Moderna, já são 600 milhões de doses, o que é o dobro da população americana. Talvez seja um pouco cedo para sabermos exatamente sobre os acordos”, explica.

Granato também afirma que os grupos de risco devem receber primeiro as doses da vacina, como os profissionais da área de saúde, da força de segurança (policiais, bombeiros), idosos e pessoas de alto grau de exposição, como motoristas de transportes coletivos. Depois que todos forem vacinados, aí sim a proteção ficará disponível para o restante da população.

O caminho para o fim da pandemia ainda é longo. Mas estamos tentando.

Com informações Exame por Lucas AgrelaTamires Vitorio – Foto: Getty Images

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Rodrigo Kawasaki

Editor-chefe da Público A.